Há muito se discute sobre a legalidade do envidraçamento das varandas, também conhecido como cortinas de vidro, as quais são colocadas nas varandas dos apartamentos, em condomínios.
Primeiramente, devemos esclarecer se tal procedimento implicaria em alteração da fachada, devendo todos os condôminos, sem exceção, estar de acordo para a implantação. A proibição de alteração da fachada está expressamente definida no Código Civil Brasileiro, em seu artigo 1.336, III, que diz, dentre os deveres do condômino, “não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas”.
As convenções de condomínios costumam repetir o que diz a lei; na verdade, não podem contrariá-la. Portanto, tratando-se de alteração de fachada, sempre o quórum para realizar a modificação pretendida, será de 100%.
Mas podemos afirmar que os envidraçamentos das varandas dos apartamentos caracterizariam mudança de fachada?
Para que a propriedade atenda a sua função social, não podemos caracterizá-la como um direito absoluto; ela pode sofrer limitações constitucionais, sendo, entretanto, permitidas as modificações. Assim, para que o envidraçamento de varandas não caracterize a mudança da fachada, não poderá afetar a harmonia estética do condomínio. O procedimento deve seguir a convenção do condomínio e, sendo essa omissa, o tema deverá ser deliberado em assembleia, fixando-se o padrão a ser seguido.
Vários julgados afirmam que a cortina de vidro retrátil, não caracteriza mudança de fachada, não havendo, portanto, infringência à legislação civil.
É também o entendimento do STF:
“A instalação das “cortinas de vidro” não importa em alteração de fachada do edifício, haja vista que não corresponde a fechamento ou envidraçamento definitivos de varanda de chão a teto“.
Verificamos que, na verdade, o envidraçamento poderá ser uma proteção temporária, retrátil, não caracterizando o aumento na área do imóvel. As “cortinas de vidro” protegem o imóvel contra a entrada de poeira e detritos ocasionados em ventanias, além de reduzir barulhos.
Superado isso, temos ainda, a questão do poder público.
Mesmo sendo a questão amplamente discutida e aprovada entre condôminos, o poder público municipal entende que os apartamentos que tiveram instaladas nas respectivas varandas – as chamadas cortinas de vidro -, tiveram aumento na área útil do imóvel, gerando, portanto, acréscimo no IPTU.
É fato que qualquer aumento de área útil em imóvel gera também acréscimo no valor do imposto municipal. Para isso, devem ser observados certos critérios, pois havendo um acréscimo no imóvel, o proprietário deverá obter licença da prefeitura.
Entretanto, a cortina de vidro retrátil não pode ser considerada um fechamento de varanda e, portanto, não há o que se falar em acréscimo de IPTU. Apesar de os municípios insistirem, considerar o contrário coaduna com o entendimento da grande maioria dos nossos tribunais que entendem não acarreta o aumento, conforme transcrição do acórdão extraído do Agravo de Instrumento n ° 0009944-65.2016.8.19.0000:
“Agravo de Instrumento. Ação civil pública. Deferimento de pleito de tutela antecipada para que o ente público suspenda a cobrança de “mais valia” dos imóveis que dispunham de varanda com cortina de vidro retrátil. Reiterados precedentes deste TJ/RJ, no sentido de que a instalação de cortina retrátil não induz aumento de área edificada, a justificar alteração na forma de cálculo do IPTU. Desnecessidade do exame da arguição de inconstitucionalidade da lei complementar que assim estabeleceu, para os fins e limites deste agravo. Recurso a que se nega provimento”.
Nesse agravo, no voto do Des.Relator, Jessé Torres, é informado que “a instalação de cortina de vidro retrátil não resulta no fechamento definitivo de varanda – o que justificaria a cobrança de mais valia -, não havendo na hipótese, consequentemente, aumento efetivo e concreto da ATE – Área Total Edificada. Isso porque essa cortina de vidro retrátil, como o próprio nome esclarece, não propicia o fechamento definitivo de varanda, somente proporciona proteção transparente e temporária do ambiente, já que esse artefato pode ser aberto a qualquer tempo. Portanto, não havendo o fechamento definitivo das varandas, por meio da colocação de colunas de vidros retráteis, não há que se falar em nova base de cálculo para o IPTU e cobrança de “mais valia”.
A prefeitura de Belo Horizonte, valendo-se do Decreto nº 13.842/2010, que regulamenta a lei 9.725/2009, que contém o Código de Edificações do Município, está notificando condomínios para que sejam retirados os envidraçamentos. O prazo concedido para a regularização é de 180 dias, sendo o edifício residencial, sob pena de multa. Observe-se que quem está sendo notificado é o condomínio, entendendo-se que todos os condôminos seriam, a princípio, responsáveis, mesmo aqueles que não tiveram instaladas as vidraças em seu apartamento.
Portanto, independentemente de dizer que a multa é ou não devida, é de grande importância que o condomínio, quando da apresentação da sua contra notificação, demonstre claramente quais unidades devem responder pelo fechamento das varandas, isentando as demais de um litígio do qual não contribuiu.
Assim, apesar de termos várias decisões judiciais que entendam que a instalação de cortinas de vidro, retráteis, não caracteriza aumento de área útil, para o condomínio que está pretendendo instalar, importante observar alguns itens como apresentação do projeto perante o órgão municipal competente, para evitar uma demanda desnecessária, longa e desgastante.
Tratando-se de condomínios, em especial os residenciais, a política de uma gestão mais clara, que pode proporcionar mais harmonia nas relações cotidianas, é a indicada; ainda poderíamos dizer que seria prudente observar as leis do município, conhecê-las e aplicá-las ou mesmo declarar qualquer irregularidade, antes de tomar decisões que poderão ser objeto de questionamentos pelo órgão municipal, causando certo desconforto entre os moradores.
Hilaria Gama
Advogada e Síndica profissional
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Agravo de Instrumento n ° 0009944-65.2016.8.19.0000 Agravante: Município do Rio de Janeiro Agravado: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro Relator: Des. Jessé Torres